
Luanda acolhe XI Congresso Internacional De Direito na Lusofonia
24 de Abril, 2025“A Justiça na Construção do Estado de Direito no Século XXI” é o tema central do 11.º Congresso Internacional de Direito na Lusofonia, que Luanda acolhe a partir de hoje terça-feira, 13 até a próxima sexta-feira, 16 de Maio de 2025, um evento realizado conjuntamente pelo Tribunal Constitucional, a Procuradoria-Geral da República, as Faculdades de Direito da Universidade Agostinho Neto e da Universidade Católica e a Rede de Investigação em Direito Lusófono (REDIL).
Na integra intervenção de abertura proferida pela Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, Laurinda Monteiro Cardoso.
É com grande honra, prazer e sentido de responsabilidade que, em nome da Corte e do Colectivo dos Funcionários do Tribunal Constitucional, desejamos as boas-vindas a todos os presentes nesta Cerimónia de abertura do XI Congresso Internacional de Direito na Lusofonia, subordinado ao tema “A Justiça na Construção do Estado de Direito no Século XXI”.
Este Evento, surge na sequência das principais conclusões saídas do X Congresso, que teve lugar em Braga, Portugal, em Maio de 2024, e para nós reveste-se de especial significado por duas razões basilares:
I. A primeira, pela profundidade e actualidade do tema escolhido, uma vez que, cada vez mais, se assistem hoje a episódios de orfandade axiológica do Direito em várias realidades jurídicas pelo mundo! Aparecendo o Direito como uma mera ordenação de cânones, politicamente imperativos, desprovidos de valoração intrínseca, sem qualquer tendência de altruísmo universalista, tornando-se muito mais num conjunto normativo vazio de ideais humanos, exclusivamente formal, conjuntural e sectariamente utilitarista;
II. E a segunda razão, pelo evento ocorrer também no âmbito das celebrações do 50.º Aniversário da Independência da República de Angola, que assinala, de igual modo, o marco de nascimento do constitucionalismo angolano que, por sua vez, a seu tempo, foi determinante para a génese de uma matriz de um verdadeiro Estado de Direito em Angola com o postulado de justiça inerente, que ainda hoje se apresenta em contínuo amadurecimento!
Constituindo o presente momento, também por esta razão histórica, numa singular oportunidade de reflexão jurídico-constitucional, tanto no plano institucional, como jurisdicional; bem como de reafirmação e de renovação para todos nós, perante os compromissos irreversíveis para com a justiça e a democracia nos nossos países.
Caros Congressistas,
Em Angola, o Tribunal Constitucional assume um papel de extrema relevância na construção e consolidação do Estado democrático e de Direito, na defesa da Lei x0pConstitucional e na preservação da integridade da ordem jurídica. Não podendo absolutamente ser indiferente para esta basilar instância jurisdicional a necessidade de considerar a “fundamentalidade” matricial da justiça, como um dos principais alicerces valorativos do Direito, sem o qual até mesmo o Direito Constitucional resultante de um regular processo constituinte, se vê despido da inerente e natural grandiosidade jurídica no quadro do sistema!
Neste sentido, é mister a relação que faz entre a justiça e ordem jurídica Hans Kelsen dizendo que “A justiça é essencialmente uma qualidade atribuída a uma ordem social que regula o comportamento humano por normas”.
E, contudo, pese embora todos estes axiomas tantas vezes ditos, reproduzidos e traduzidos, vezes sem conta, é por demais evidente na realidade a dificuldade de afirmação não somente do Direito, como perspectiva irrecusável na regulação da vida humana em sociedade, mas, sobretudo, da justiça como parte inerente dele.
Um pretenso Direito somente assim construído formalmente não cumpre com as exigências de servir como garantia dos direitos fundamentais. Não assegurando postulados garantísticos tão elementares como o princípio da igualdade, da proporcionalidade (equidade), da liberdade e ainda mais, do respeito em termos primordiais pela própria dignidade humana!
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Nesta perspectiva, a iniciativa conjunta com as Faculdades de Direito das Universidades Agostinho Neto e Católica de Angola, da Procuradoria Militar e da Rede de Investigação em Direito Lusófono (REDIL) no debate desta temática representa muito mais do que um reforço de cooperação académica e institucional – de elevada importância para os países e regiões de expressão portuguesa – mas uma verdadeira salvaguarda do espírito dogmático e científico que pretende manter aprofundar a natureza do Direito e fundamentar os melhores trilhos evolutivos, sem que o mesmo perca a sua essência em termos de valores.
A justiça, enquanto fundamento do Estado de Direito, não se
esgota na aplicação técnica da norma, e nem mesmo das normas constitucionais. Para densificar substantivamente as normas ela exige permanente diálogo com a realidade social, política e cultural dos nossos povos; e num plano jurisdicional, impõe ainda um diálogo com as judicativas exigências práticas do caso concreto, visando a melhor realização do Direito.
Por isso, este Congresso propõe uma abordagem multidisciplinar, crítica e científico-académica, da qual se perspectiva um iluminar dos caminhos e uma melhor compreensão dos mecanismos de materialização da justiça numa visão holística da “jurisdicidade”, como um elemento axiológico indispensável para a construção e consolidação, cada vez mais necessária, do Estado de Direito.
Tal como o direito a justiça é por natureza conservadora e muitas vezes resiste aos processos de transformação que a contemporaneidade exige, pelo que a sua aplicação prática deve ser recompreendida à luz de outros níveis de valores pré-existentes ou mesmo de outros valores que a consciência colectiva contemporânea aceita.
Num mundo cada vez mais dividido, assolado por desigualdades, conflitos, guerras e crises de vária ordem, a discussão das temáticas ligadas à justiça e ao Direito afigura-se indispensável e um elemento importante para o desenhar de soluções para estes problemas que nos afligem, quer individualmente, quer como coletividade.
É este também o papel da academia: o de transformar problemas sociais em projectos de análise científica, cuja busca por resultado não descura a definição e a adequação das conclusões as exigências intrínsecas à existência justa e digna do ser humano e da sustentabilidade e progresso das suas sociedades.
Auguramos que este Congresso, como espaço privilegiado de partilha de saberes, de confronto de ideias e de construção conjunta de ideais que melhor sirvam os povos da lusofonia, seja um verdadeiro laboratório profícuo de análises, de onde se possam produzir agentes, reagentes e soluções, numa mistura de abordagens de elementos que constam da química jurídica.
Excelências, os desafios que hoje enfrentamos na construção do Estado democrático exigem uma perspectiva humanista renovada. Num tempo em que tecnologias como a inteligência artificial prometem transformar a justiça, corremos o risco de perder o essencial: a dimensão humana do julgamento. A eficiência não pode sobrepor-se à capacidade de reconhecer, em cada processo, histórias humanas com todas as suas complexidades e vulnerabilidades.
O espaço lusófono, espalhado por quatro continentes, representa um extraordinário laboratório de experiências jurídicas e constitucionais. Da Angola que celebra meio século de independência à secular tradição portuguesa, passando pelas experiências dos demais países, construímos um património comum que nos permite afirmar, num mundo polarizado, o valor do diálogo intercultural como ferramenta para sociedades mais justas.
Termino recordando o brocardo aristotélico “A justiça é a finalidade do Estado. E é a ordem do Estado que assegura a justiça”. Esta máxima ainda vital recorda-nos que a busca da justiça não é apenas uma tarefa técnica, mas o fundamento moral que legitima o Estado. Que este Congresso fortaleça aquela sensibilidade humana sem a qual o Direito se torna letra morta, e a justiça, uma promessa por cumprir.
Desejo a todos um Congresso prolífico, inspirador e enriquecedor.
Muito obrigada pela vossa audiência.